quinta-feira, 14 de outubro de 2010

ACESSO À INFORMAÇÃO E CIDADANIA: CAMINHANDO DE MÃOS DADAS

Autora: Edilane Neves
Biblioteconomista /CRB1/1910
                                                                 email: edilaneneves@yahoo.com.br

Resumo:

O presente artigo discute o acesso à informação como recurso básico para a efetivação da cidadania. Apresenta uma reflexão sobre o impacto das novas tecnologias na estruturas sociais. E analisa a dimensão do termo acessibilidade à informação.

Palavras Chave: Acesso à informação; cidadania; tecnologias de informação e comunicação.

Introdução:

            É imprescindível que o sujeito esteja informado para exercer conscientemente a sua cidadania, dessa forma, exercício da cidadania, pressupõe o acesso à informação. Alvarenga (1999) afirma que no contexto das práticas sociais, a informação é um elemento de fundamental importância, pois, é através do intercâmbio informacional que os sujeitos sociais se comunicam e tomam conhecimento de seus direitos e deveres e, a partir daí tomam decisões sobre suas vidas, seja em nível individual ou coletivo.
O acesso à informação tem sido amplamente discutido como um recurso indispensável para a efetivação da cidadania, porém, muitos processos estão envolvidos Baptista (2008) ressalta que não basta simplesmente tornar os ambientes acessíveis (espaços físicos, disponibilizar conhecimentos, etc.). As barreiras mais difíceis de serem contornadas são as “barreiras de atitude”. É preciso que nos tornemos pessoas acessíveis e inclusivas, ou seja, fazer uma revisão de nossas atitudes e mudá-las, tendo como foco principal a idéia de que todas as pessoas têm direitos e deveres em uma sociedade democrática e que ninguém deve ser excluído por qualquer razão que seja.
            O foco desse artigo é discutir o Acesso à Informação como fator de extrema importância para a efetivação da cidadania. Como a acesso á informação está ligado as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) na primeira parte do trabalho foi discutido como elas interferem nas estruturas sociais.Já no segundo tópico foi abordado as dimensão da acessibilidade à informação que refere-se ao obtenção de informações . E por último é feito uma reflexão do acesso à informação como recurso decisivo para efetivação da cidadania.
2 Impacto das tecnologias de informação  e comunicação (TICs) na sociedade da informação
São claras as transformações advindas das novas TICs. Tofller(1990) afirma que a tecnização, informatização e globalização da sociedade colocam o conhecimento em posição privilegiada como fonte de valor e de poder.O autor defende que numa economia baseada no conhecimento, o problema político interno mais importante não é mais a distribuição (ou redistribuição) da riqueza, mas da  informação e dos meios de informação que produzem riqueza.
Segundo Tofller(1990), já é possível reconhecer profundas tensões sociais provocadas pela introdução desta nova forma de economia, em especial a divisão da população em “inforrica e infopobre”.
O sociólogo Manuel Castells(1999) relata que há cinco aspectos centrais do novo paradigma:
Ø  A informação é matéria-prima;
Ø  As novas tecnologias penetram em todas as atividades humanas;
Ø  A lógica de redes em qualquer sistema ou conjunto de relações usando essas novas tecnologias;
Ø  A flexibilidade de organização e reorganização de processos, organizações e instituições;
Ø  E, por fim, a crescente convergência de tecnologias específicas para um sistema altamente integrado, conduzindo a uma interdependência entre biologia e microeletrônica.
Castells (1999) apresenta como característica importante da sociedade informacional, ainda que não esgote todo o seu significado, a lógica de sua estrutura básica em redes, o que esclarece o uso do conceito de sociedade em rede. O aparecimento da sociedade em rede torna-se possível com o desenvolvimento das novas tecnologias da informação que, no processo, agruparam-se em torno de redes de empresas, organizações e instituições para formar um novo paradigma sociotécnico.
O conceito de rede parte do principio que rede é um conjunto de nós interconectados, mas, que por sua maleabilidade e flexibilidade oferece uma ferramenta de grande utilidade para dar conta da complexidade da configuração das sociedades contemporâneas sob o paradigma informacional. Castells(1999), conceitua redes como estruturas abertas  capazes de expandir de forma ilimitada, integrando novos nós desde que consigam comunicar-se dentro da rede, ou seja, desde que compartilhem os mesmos códigos de comunicação (por exemplo, valores ou objetivos de desempenho).
 Para o autor uma estrutura social com base em redes é um sistema aberto altamente dinâmico suscetível de inovação sem ameaças ao seu equilíbrio.
Em seu livro: A Máquina Universo, Pierre Levy, numa visão antropológica, afirma que as redes de computadores carregam uma grande quantidade de tecnologias intelectuais que aumentam e modificam a maioria das nossas capacidades cognitivas, ou seja, o computador é um instrumento de troca, de produção e de estocagem de informações, tornando-se desta forma, um instrumento de colaboração.
            A UNESCO (1997) em suas pesquisas afirma que na era informacional ou da sociedade da informação, impulsionada pelo desenvolvimento das novas TICs , o saber e o conhecimento são os vetores determinantes e conduzentes à uma nova economia informacional.
           
3 Acessibilidade à informação e suas dimensões

O termo Acessibilidade à informação nos remete a ampla discussão; faz referência ao Acesso Livre à Informação, que caracteriza - se por um movimento em prol da informação de acesso aberto e digital, on line, isento de taxas para leitura e livre de muitas restrições de direito autoral e licença.
Com o advento das novas tecnologias da informação e da comunicação surgiram novas alternativas de comunicação científica provocando alterações nos seus paradigmas dando origem ao Acesso Livre. Podemos citar com exemplo, o Open Archives Initiative (OAI), a partir do qual foram estabelecidos alguns padrões tecnológicos e ideais que se associam em um processo visando a democratizar o acesso à informação científica.
Em conseqüência dessa iniciativa, surgiu o movimento de­nominado Open Access to Knowledge and Information in Sciences and Humanities. Diversas instituições de pesquisa, localizadas em vários países, integraram esse movimento por meio de declarações, como, por exemplo, a Declaration of Berlin, a Declaration of Bethesda, na Europa e o Manifesto Brasileiro de Apoio ao acesso livre à Informação Científica no Brasil, lançado em se­tembro de 2005 pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict). A origem desse movimento se deve em fun­ção das dificuldades encontradas para se obter acesso à produção da informa­ção publicada pelos pesquisadores, nem sempre acessível pela própria comunidade científica.
 São movimentos com nomes diferentes, realizados em lugares distintos, mas, que possuem o objetivo comum de tornar a informação acessível a todos.
Podemos também registrar iniciativas interessantes de incentivo ao acesso à informação, como por exemplo:
Ø  Domínio público - é uma Biblioteca Digital desenvolvida em Software Livre - Ambiente virtual que permite a coleta, a integração, a preservação e o compartilhamento de conhecimentos, sendo seu principal objetivo o de promover o amplo acesso às obras literárias, artísticas e científicas (na forma de textos, sons, imagens e vídeos), já em domínio público ou que tenham a sua divulgação devidamente autorizada, que constituem o patrimônio cultural brasileiro e universal.
Ø  CMI - Centro de Mídia Independente - é uma rede de mídia independente que visa oferecer ao público informação alternativa, crítica e que contribua para a construção de uma sociedade livre, igualitária e que respeite o meio ambiente. A ênfase da cobertura é sobre os movimentos sociais, particularmente, sobre os movimentos de ação direta e sobre as políticas às quais estes movimentos se opõem. A estrutura do portal permite que qualquer pessoa disponibilize textos, vídeos, sons e imagens tornando-se um meio democrático e descentralizado de difusão de informações.
Ø  Overmundo - portal colaborativo que tem como objetivo divulgar e disponibilizar a cultura de todo o Brasil. Contém blogs, fóruns, agenda de eventos e o Banco de Cultura. Qualquer pessoa - desde que cadastrada - pode publicar e disponibilizar conteúdos.
Kuramoto(2006) afirma que Acesso Livre representam um marco, pois, oferece: soluções técnicas efetivas, ágeis, econômicas e viáveis para que comunidades científicas reconstruam práticas e processos de comunicação científica, sistemas de gestão cooperativos, mecanismos de controle bibliográfico, preservação da memória, promovendo assim a consolidação de seu corpus de conhecimento.
Outra dimensão da acessibilidade à informação refere-se à possibilidade de todos terem acesso à informação independente de sua condição física, isto significa que qualquer cidadão independente de suas capacidades e limitações físicas ou sensoriais; nos mais diversos suportes físicos, podem ter acesso à informação.
O termo acessibilidade faz alusão não só a possibilidade de acessar a rede de informações, mas, também o direito de supressão de barreiras arquitetônicas, de disponibilidade de comunicação, de acesso físico, de equipamentos e programas adequados, de conteúdo e apresentação da informação em formatos alternados.
De acordo Torres, Mazzoni e Alves (2002), a acessibilidade é um processo dinâmico, associado não só ao desenvolvimento tecnológico, mas, principalmente ao desenvolvimento da sociedade.
Segundo Melo (2008), atualmente existe diferentes entendimentos para a expressão acessibilidade. É bastante comum associá-la primeiramente ao compromisso de melhorar a qualidade de vida dos idosos e de pessoas com deficiência (ex. perceptual, cognitiva, motora e múltipla), uma vez que essas pessoas, em geral, sofrem impacto direto da existência de barreiras nos vários ambientes, produtos e serviços que utilizam. Entretanto, acessibilidade ou possibilidade de alcance aos espaços físicos, à informação, aos instrumentos de trabalho e estudo, aos produtos e serviços diz respeito à qualidade de vida de todas as pessoas.
Essa dimensão é inclusiva, pois, permite que todas as pessoas independentes de sua condição física, possam ter acesso à informação, e dessa forma, representa um progresso social.

4 Acessibilidade à informação :  recurso básico para  a efetivação da cidadania
            O acesso à informação é um recurso básico para a efetivação da cidadania, é por meio da obtenção de informações que os cidadãos podem conhecer seus direitos e deveres, seus limites e horizontes.A Unesco reconhece que o acesso do individuo a informação, está diretamente vinculado à busca pela cidadania.
            Teterycz & Littiere(2006) salientam que mesmo sendo considerado um clichê, a afirmação “informação é poder”,está repleta de verdades no momento em que se percebe que o indivíduo que tem acesso à informação tem sempre mais condições de oportunidades na sociedade,facilitando a sua inserção no ambiente onde vive por estar melhor e mais informado, podendo exercer efetivamente a qualidade de cidadão. Dessa forma, podemos afirmar que, os acessos à informação e cidadania caminham de mãos dadas.
Alvarenga (2000) defende que a construção da cidadania ou das práticas de cidadania passa necessariamente pela questão do acesso e uso de informação, pois, tanto a conquista de direitos políticos, como de direitos civis e sociais depende fundamentalmente do livre acesso à informação sobre tais direitos, de uma ampla circulação e disseminação/comunicação de informação sobre os mesmos e de um processo de discussão crítica sobre os processos que se desenvolvem no contexto social em questão, ou seja, as condições sociais de produção do conhecimento.
  Ainda de acordo com Alvarenga(2000) o não acesso à informação dificulta o pleno exercício da cidadania. Assim, a informação deve ser vista como um bem social e um direito coletivo com qualquer outro, sendo tão importante como o direito a educação, saúde, moradia, justiça e tantos outros.
Segundo Araújo (1999 apud Teterycz & Littiere,2006),a construção da cidadania ou de práticas de cidadania passa necessariamente pela questão do acesso e uso de informação, pois, tanto a conquista de direitos políticos,civis e sociais, como a implementação dos deveres do cidadão dependem fundamentalmente do livre acesso à informação sobre tais direitos e deveres, ou seja,depende da ampla disseminação e circulação da informação e, ainda, de um processo comunicativo de discussão crítica sobre diferentes questões relativas à construção de uma sociedade mais justa e com maiores oportunidades [...] o não-acesso à informação ou ainda o acesso limitado ou acesso a informações distorcidas dificultam o exercício pleno da cidadania.
As ideias das autoras são reforçadas pelos pesquisadores Tichenor, Donohue e Olien(1980 apud Teterycz & Littiere,2006),criadores do Knowlegde Gap, que apresentam três aspectos que se ligam de maneira direta ao exercício da cidadania:
Ø  O controle do acesso à informação;
Ø   O controle da distribuição da informação que se liga diretamente ao aspecto anterior;
Ø  E o controle de reforço das predisposições prévias, que dizem respeito à capacidade de compreensão das notícias relacionada ás condições socioeconômicas e educacionais do espectador.
O acesso à informação é um direito afirmado pela Constituição Federal do Brasil (2005), no artigo V, inciso XIV está escrito: “É assegurado a todos o acesso à informação”. Portanto, o livre acesso à informação é um direito garantido a todos os cidadãos.
5 Considerações finais:
Diante do exposto ao longo do trabalho, verificamos que o acesso à informação, pode contribuir para a efetivação da cidadania. É por meio da obtenção de informações que os indivíduos podem conhecer seus direitos e deveres, ou obterem conhecimentos fundamentais para suas vidas.
As novas TICs trouxeram mudanças significativas nas estruturas sociais. Reafirmando a ideia do que o acesso ao conhecimento representa poder. As TICs interferem diretamente no processo de acessibilidade à informação, uma vez, que facilitam os procedimentos para a obtenção e transferência de informações.
Constatamos que a dimensão da acessibilidade é bastante ampla. Podemos relaciona – lá, com o acesso à informação gratuita e com a possibilidade do alcance a todos, independente de suas condições físicas, dificuldades motoras e sensoriais.
É necessário que repensemos em nossas práticas como mediadores do acesso à informação. Nossas ações devem ter sempre um olhar inclusivo. Dessa forma, podemos colaborar para que a acessibilidade à informação transforme-se em mais do que um direito. Contribuiremos para transforma lá, em qualidade de vida para os cidadãos e conseqüente para a consolidação da cidadania.

ACCESS TO INFORMATION AND CITIZENSHIP, GOES HAND IN HAND

Abstract:
This article discusses access to information as a resource base for the realization of citizenship. Presents a reflection on the impact of new technologies in social structures. And also examines the extent of the term accessibility to information.
Keywords: Access to information, citizenship, information and communication technologies.

Referências:

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UNESCO. Rapport mondial sur la communication: les médias face aux défis des mouvelles technologies. Paris: UNESCO, 1997.

Filosofia, linguagens e significações sociais


Prof. Dr. Wilson Alves de Paiva

            Embora existam linguagens no mundo animal, a fala humana é dotada de significados que vão muito além da simples transmissão de um conteúdo comunicativo. Diferente das comunidades não humanas, estritamente guiadas por códigos genéticos e impulsos instintivos, o agrupamento dos homens se distingue pela pluridimensionalidade de sua ação comunicativa, a qual sempre esteve intrinsecamente ligada à vida social e à produção cultural de um povo. A linguagem não é, por assim dizer, a transmissão de ideias, mas o descortinamento do real e o aprofundamento das relações intersubjetivas por meio de códigos linguísticos. O que, naturalmente, nos leva compreender que a linguagem utilizada por um povo, por um grupo ou por uma pessoa pode ampliar ou restringir as perspectivas sociais.
            Isto posto, é possível afirmar que estudar as linguagens é estudar as múltiplas formas de descodificação do real. Tal parece ser, portanto, o objetivo maior e mais sublime deste grupo: o de compreender melhor esse aspecto cultural, não apenas em suas estruturas, mas em sua semiótica e em suas relações com as vivências sociais. Talvez seja cedo para afirmar, mas uma das hipóteses que podem ser levantadas para uma investigação mais profunda é a de que a utilização da linguagem, não apenas em seu sentido visto pela ótica da análise do discurso, mas numa possível fenomenologia da ação comunicativa. Como isso só é possível por uma visão interdisciplinar, justifica-se a formação de um grupo como este, com pessoas de distintas áreas, voltado para compreender melhor esse fenômeno social em suas diversas e múltiplas significações.
            Para início de nossas atividades, não quero me reportar ao legado de Pierce (1839-1914), cuja lógica foi fundamental para entendermos a dimensão estrutural da linguagem, ou, poderíamos dizer, para lermos o mundo através da linguagem. Nem, tampouco, ao legado de Paulo Freire (1921-1998) cuja lógica é de que a leitura do mundo precede a leitura da palavra. Embora tenhamos, futuramente, que lançar mão dos conceitos piercianos para interpretar os signos em suas distintas manifestações; assim como apoderarmos dos conceitos freireanos para entender o uso ideológico e opressor dos mesmos, minha tentativa de contribuição teórica se reporta a Jean-Jacques Rousseau (1712-1778).
            Rousseau não foi necessariamente um filósofo da linguagem e sim um filósofo político e educacional. Mas, como tantos outros iluministas, dedicou-se a outros campos do saber, incluindo a música e a linguagem. Sua obra nesse campo, o Ensaio sobre a origem das línguas, escrito por volta de 1759, é quase um apêndice de sua grande obra, o Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Em ambos os escritos o esforço de Rousseau é o de demonstrar que a evolução cultural não cumpriu seu papel de promoção humana, mas, pelo contrário, promoveu uma degradação da vida social em todos os seus aspectos. Como objetivo de traçar a origem desses problemas, o filósofo genebrino teve que despir o homem de todos os traços culturais e sociais. Indo, dessa forma, muito além dos jusnaturalistas, Rousseau concebeu a hipótese argumentativa do estado de natureza, no qual o homem poderia ter vivido de forma puramente animal, antecedendo qualquer manifestação cultural, inclusive a linguagem. Malgrado as interpretações equivocadas, Rousseau nunca afirmou a existência de fato desse estado, nem, tampouco, defendeu o retorno a ela. Porém, mesmo como uma mera hipótese de trabalho, sua análise serve de parâmetros para pensarmos a vida em sociedade.
            Tomemos o caso da linguagem. Mas, primeiro, façamos uma resenha da obra: O autor inicia afirmando que é a palavra que distingue os homens dos animais e o uso que se faz dela distingue os homens entre os homens. Contra o mito da língua adâmica, a linguagem humana é convencional, progressiva e elaborada a partir das necessidades de cada grupo e região. De início, figurativa, onomatopaica e circunstancial, os signos foram sendo elaborados pelos intercursos humanos não apenas em suas necessidades imediatas, como também nos relacionamentos passionais, sejam conflituosos ou amorosos. Assim, a linguagem foi-se expandido conforme mais complexa era a expansão das relações sociais. Portanto, a escrita foi fruto dessa expansão e da necessidade de melhor comunicação. Paradoxalmente a escrita significou um aprimoramento e, ao mesmo tempo, um retrocesso na comunicação entre os homens, pois o signo escrito, colocado no lugar da fala, distanciou os homens e ocultou as nuances, os acentos e as expressões línguísticas dotadas, evidentemente, de sentimentos e intenções várias. Mais uma vez, é preciso dizer, tendo em vista os equívocos interpretativos, que Rousseau não defendeu o retorno a uma sociedade oral, mas lamentou o que a pobreza das línguas modernas, deixando a excessão para a língua italiana – segundo ele, doce e musical.
            Quando Rousseau descreve liricamente a idade do ouro, tomando como exemplo um trecho do Ensaio, que diz: “Reunem-se em torno de uma fogueira comum, aí se fazem festins, aí se dança. Os agradáveis laços do hábito aí aproximam, insensivelmente, o homem de seus semelhantes e, nessa fogueira rústica, queima o fogo sagrado que leva ao fundo dos corações o primeiro sentimento de humanidade”, podemos afirmar que a descrição não se diferencia muito das obras de um Carlos Rodrigues Brandão e de outros antropólogos culturalistas que buscam resgatar os valores comunitários presentes em distintas regiões brasileiras. As quadrilhas, os folguedos e outras tantas manifestações folclóricas estão aí como linguagens telúricas e signos de um passado do qual não podemos desvencilhar. Não seria, talvez, um dos objetivos deste grupo o de estudar e divulgar essas culturas, salientando-as como linguagens perdidas, mal interpretadas e muitas vezes silenciadas? Por outro lado, uma vez divulgadas, será que essas manifestações não unirão as gerações e não proporcionarão uma ligação maior entre a juventude e seu próprio passado? Se assim for, Rousseau está certo quando diz (loc. cit.): “Sob velhos carvalhos, vencedores dos anos, uma juventude ardente aos poucos esqueceu a ferocidade”.
            O verso, o canto e a palavra têm origem comum e, portanto, podem ser classificados como língua. Porém, não se pode esquecer que a paixão antecede a razão e a música, por mais erudita que seja, jamais poderá tocar o coração se não representar os verdadeiros sentimentos humanos. Como descreve Rousseau, ao fim de seu Ensaio, a multidão de regras e o emprego excessivo da razão degenerou a música. Por um lado, o tecnicismo a separou da voz, da palavra e distanciou-se da natureza, tornando-se amoral; Por outro, a degeneração maior foi o emprego da música para expressar apenas os sentimentos da nobreza, para enaltecer o luxo e diferenciar os homens entre os “eruditos” e os “ignorantes”. O que para Rousseau é imoral. Daí, a música e a fala viraram verborragia, sermões e discursos ideológicos, tal como previu Rousseau, tal como descreveram Althusser e Foucault.
            A atualidade de Rousseau é impressionante quando diz (p. 331): “As  sociedades tomaram sua última forma: nela nada mais se muda senão com o canhão e com a moeda, e como nada se tem a dizer ao povo, a não ser: daí dinheiro, diz-se por meio de cartazes nas esquinas ou de soldados nas casas. Para tanto não se precisa reunir ninguém; pelo contrário, convém manter os súditos esparsos – tal a primeira máxima da política moderna”. Em outras palavras, a política moderna se fundamenta no discurso ideológico, na utilização de signos arbitrários para engodar o povo e maquiar a realidade. Na lógica das linguagens, o mundo televiso seria, numa perspectiva bem rousseauniana, o extremo do afastamento entre os homens e na ruptura entre o povo e seu governo. O contrário deveria ser uma relação política direta, na qual o governante não se valeria de marqueteiros, discursos pré-concebidos, mas de sua própria fala, de sua gesticulação, de sua índole discursiva e de sua capacidade de dar respostas aos problemas que vivenciamos. Nas relações sociais, o contrário deveria ser uma relação humana mais próxima, mais autêntica, mais amiga e mais romântica.
Lembrando Rousseau, o que “arrancou as primeiras vozes” foram a necessidade e as paixões. A necessidade e o sentimento vieram antes do raciocínio e, portanto, devem guiá-lo. “A princípio se falou pela poesia”, pelo canto, pela melodia e pelas reais necessidades de comunicação e trocas sociais. Resgatar isso não significa uma incursão por uma proclamada “utopia rousseauniana”, mas resgatar valores perdidos, avivar sentimentos e proporcionar espaços significativos de trocas culturais.
Tal parece ser o objetivo de nosso grupo e nossa Academia. Entender as diversas linguagens, suas relações com as vivências sociais do passado e do presente. Os significados talvez não sejam mensuráveis, pelo menos numa perspectiva positivista, tecnicista, mas não deixarão de ter seu valor na produção artística de cada um de nós, bem como na vida das pessoas com as quais nos relacionarmos no intercurso de nossas produções. É esse, basicamente, o trabalho do intelectual.
Além das contribuições teóricas que cada um de nós possa trazer, o grupo possui um campo de estudo bastante diversificado. Como Rousseau pensou a linguagem a partir do afastamento da natureza, o GEP LINGUAGENS E PERSPECTIVAS SOCIAIS poderia iniciar  suas investigações no âmbito da produção marginal, circunscrevendo sua pesquisa em torno das escritas populares, produzidas nos cantos das fiandeiras, das benzedeiras, das farinheiras; assim como na literatura cantada das modas de viola, elaboradas atualmente na zona urbana e rural de Trindade. Em seguida, poderíamos promover um encontro eles alguns desses “poetas” com estudantes das escolas de Ensino Médio para um colóquio, ou um café sobre as diversas linguagens do homem do campo e de populações urbanas marginais.
            O encontro talvez não seja sob um “velho carvalho”, como descreveu Rousseau, mas provavelmente sirva para diminuir os conflitos etários, bem como provocar na juventude um pouco mais de sensibilidade, diminuindo assim sua ferocidade e ignorância.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

ALGUMAS DA ATLECA 2010












Para Início de Conversa




Iniciamos nossos trabalhos em 01/10/10. Uma bonita data, para um bonito começo! 
Formamos um grupo de estudiosos sedentos de desafios e conhecimentos. Em nosso caminho nem tudo serão flores, mas os espinhos, os suportermos em nome de algo maior que nos direciona: um saber mais profundo sobre as coisas dos homens e da sua natureza 'humana'.
Por este desafio nos unimos e buscamos nos complementar.
Temos entre nós representantes das diversas áreas relacionadas a linguagem, que por sua vez, permeia todas as ações humanas: Linguística, Literatura, Filosofia, Psicologia, Biblioteconomia e quantas mais se ajuntarem a nós.
Sejam bem vindos!