quinta-feira, 8 de maio de 2014

Em Defesa de Lobato


                  Dóris de Fátima Reis Mendes
            No mês de abril comemora-se tradicionalmente o dia Nacional do Livro Infantil. Este mês foi escolhido intencionalmente por ser a data de nascimento de um dos maiores escritores do Brasil e o primeiro e escrever especificamente para crianças: José Bento Monteiro Lobato.
            Monteiro Lobato é indiscutivelmente um marco na literatura brasileira. De personalidade polêmica, crítico por natureza, foi também um homem influente em sua época. Tecia críticas à política, sociedade, meio ambiente e saneamento básico.
Nas palavras de Anísio Teixeira:
“ a maior obra literária de nossa época, a mais aguçada e extensa análise do nosso povo e de sua terra e a mais admirável e mais poética literatura infantil que jamais um povo pôde organizar para a sua infância.(...) Involuntariamente, Lobato se fez o primeiro sociólogo brasileiro.”
                Por seus comentários críticos ao governo foi punido até com prisão, pois fez  denúncias em relação a falta de investimento para o desenvolvimento dos postos petrolíferos no Brasil.
                Jeca Tatu, um de seus personagens marcantes, procurava mostrar a carência das condições básicas de saúde nas áreas rurais do Brasil. Suas críticas mal interpretadas geraram a princípio, um mal estar social e Lobato chegou a escrever um pedido de desculpas à Jeca Tatu.


“Eu ignorava que eras assim, meu caro Tatu, por motivo de doenças tremendas. Está provado que tens no sangue e nas tripas um jardim zoológico da pior espécie. É essa bicharia cruel que te faz papudo, feio, molenga, inerte.Tens culpa disso? Claro que não. Assim, é com piedade infinita que te encara hoje o ignorantão que outrora só via em ti mamparra e ruindade.
Perdoa-me, pois, pobre opilado, e crê no que te digo ao ouvido: és tudo isso que eu disse, sem tirar uma vírgula, mas inda és a melhor coisa que há no país. Os outros, que falam francês, dançam o tango, pitam havanas e, senhores de tudo, te mantêm neste geena dolorosa, para que possam a seu salvo viver vida folgada à custa do teu penoso trabalho, esses, caro Jeca, têm na alma todas as verminoses que tu só tens no corpo.
Doente por doente, antes como tu, doente só do corpo.
Monteiro Lobato”
                Como escritor infantil, após ter frustrado suas expectativas de escrever para adultos criou personagens com personalidade forte, perspicaz e sensível. Mentes inteligentes e criativas.
Continuava a revelar  sua própria personalidade crítica nas falas e nas histórias do clássico “ Sítio do Pica-Pau Amarelo” . Pela boca da sapeca Emília, expôs suas ideias e questionamentos e ferrenhos ataques ao modelo social vigente.
Foi compreendido pelas crianças que reconheceram e veneraram seu trabalho e se deliciaram com suas histórias fantásticas.
Há atualmente uma linha de estudos literários que vem questionando a postura de Lobato a respeito do tratamento de seus personagens. Alegam preconceito e discriminação.
Lobato porém, como homem à frente do seu tempo refletia sua época e os costumes e hábitos de então. Com certeza não teve em sua obra nenhuma conotação neste sentido e intencionalmente não se utilizou de nenhuma forma de racismo ou preconceito.
Muito ao contrário, sendo ele um nacionalista e entusiasta de seu país, buscou retratar as características e peculiaridades do seu povo, retratando suas crenças, costumes e valores.  Ressaltou riquezas e potencialidades do Brasil. Cobrou posicionamento político, investimento, atitude do governo para o desenvolvimento nacional.
Certamente estivesse Lobato presente nos dias atuais, suas críticas e maneira de expressá-las seriam outras, embora muitos dos problemas sociais denunciados por ele no século passado ainda sejam dignos de registro nos dias de hoje.
Lobato: cidadão ativista, advogado, empreendedor, diplomata, escritor, homem polêmico, que ainda hoje desperta  questionamento. Sua obra o imortalizou, sua personalidade marcante o faz eternamente vivo.
“ As crianças de ontem são os adultos de hoje e todos se formaram lendo-lhe os livros”                                                                                                                                  ( Anísio Teixeira)









 Professora Pedagoga, mestre em Estudos Linguísticos, Membro da Academia Trindadense de Letras, Ciências e Artes, professora na rede estadual e municipal de ensino.

Sujeito, espaço e Identidade: primeiras impressões

“O melhor lugar do mundo é aqui, e agora!”
Gilberto Gil
Uma das grandes questões a que tenho me dedicado nos últimos tempos, é a de compreender meu espaço no mundo. O lugar em que me encontro física, filosófica e psicologicamente é verdadeiramente o que desejo estar? Há algum outro lugar em que desejo chegar ou estar além de onde estou? Nesta procura tenho empreendido investigações e pesquisas acerca de outras pessoas que compartilham estas mesmas angústias.
O que tenho percebido é que esta questão é bem mais coletiva do que individual, muito mais global do que eu podia supor em minhas inquietações particulares. Assim, encontrei em diversas ciências, teorias, propostas e proposituras que me auxiliam a pensar sobre tema.
Ultimamente tenho me debruçado em alguns conceitos da Geografia que me explicam, de certa forma, a inquietude que me toma.
Não é tão simples falar em espaço e identidade. Não é tão concreto falar de lugar e de sua posição no mundo. Não é tão óbvio se encontrar em um mundo tão vasto e tão complexo como o que vive o homem moderno. E portanto, não é tão imediato encontrar respostas conclusivas sobre os conceitos de sujeito, espaço e identidade.
Tenho percebido que identificar-se como sujeito em um mundo de coletividades, está mais ligado aos sentidos individuais que se dá e ao espaço em que se ocupa como ser humano (sujeito). Seguindo esta linha de pensamento, Lívia de Oliveira afirma que “o sentido do lugar implica o sentido da vida e, por sua vez o sentido do tempo”.
Esta afirmação me reporta a palavra “sentido” como algo de sensações, relacionado ao sensorial. O ver, o ouvir, o tocar, o cheirar, sentir o gosto (gostar) são sensações básicas e que nos fazem definir o que somos por meio daquilo que nos afeta. Veja bem, pensando assim, sujeitos são seres que sentem e são tocados pelo lugar onde, de alguma forma e por algum motivo se identificam, se sentem acolhidos e amados.
Esta é uma noção talvez romântica para um conceito considerado científico. Porém quando se trata de falar de sujeitos não há como não sê-lo.
Outra contribuição às minhas reflexões está nas afirmações de Alves (2013) que diz que o corpo (físico) do homem é determinante para que ele se encontre no mundo pois, o corpo “é construído pelas marcas feitas pelo outro, pelo olhar do outro, pelo desejo do outro (...)” Isso se coaduna com as ideias de Vygotsky, que afirmava que o “sujeito é primeiro social e depois se transforma em indivíduo” (In Alves, 2013).
Ou seja, a sociedade exerce papel fundamental e preponderante na formação identitária do sujeito, já que é o reflexo de um complexo conjunto de relações do homem com o mundo em que está inserido.
Por isso, talvez, expressões como:  este é o meu lugar, ou não me sinto bem neste lugar, sejam inconscientemente uma forma de afirmar ou negar o sentimento (sentido) de pertença a um ou outro espaço em nos encontramos em momentos específicos de nossa existência.
Para expressar este sentimento de pertença a um lugar, grupo ou ideologia, o ser humano utiliza de diversas maneiras de seu próprio corpo, como que para se mostrar ao mundo. Este desejo de mostrar ao mundo quem é por meio do seu corpo físico, está ligado à noção de corporeidade que, em última instância, revela por meio de marcas intencionais e individuais, a essência do que carrega dentro de si. O que tem sentido, o que foi afetado por outros em sua integridade e individualidade de sujeito social.
Enfim, e não finalizando, o ser humano tem a necessidade intrínseca, que é também a minha, de pertencer ao mundo, de fazer parte de um lugar e estar à vontade nele. Este sentimento é revelado sutil ou violentamente por meio das marcas que fazemos como pessoas (sujeitos). Marcas concretas ou não, claras ou obscuras, permanentes ou transitórias, expressas na nossa corporeidade.
Cabe aqui para continuar a conversa, falar de como os sujeitos com deficiência física se enquadram neste questionamento. Como se vêm frente a um mundo de rótulos e modelos, de perfeições e imperfeições, de belezas modelares e padronizadas, de referências estatísticas de produção, consumo, lazer e participação cidadã.
Como se revela ao mundo este sujeito que viveu no obscurantismo das casa e instituições e que há bem pouco tempo tem se revelado tal como é, em sua completude, desnudos de pré-conceitos impostos por uma sociedade naturalmente excludente.
Como se afirmam como detentores de direito a explorar e usufruir de espaços consagrados a uma maioria tida normal, ou perfeita?
Como se define este sujeito em seu lugar. Qual é o seu lugar? Há espaço para este sujeito que hoje impõe suas mazelas como normalidades e direitos? O mundo é de fato um lugar para todos?

                                                                                               Dóris de Fátima Reis Mendes