terça-feira, 18 de outubro de 2011

Sujeito e Linguagem



[1]Dóris de Fátima Reis Mendes

            Para abordar o tema sujeito e linguagem deve-se considerar primeiramente o que estes termos carregam de significados. Conceituar sujeito e linguagem seria uma ousadia senão uma irresponsabilidade.  Afinal quando é que o indivíduo passa a ser sujeito? Quando pode-se considerar que um indivíduo torna-se autor de sua própria história e tem consciência de seus atos e é senhor do seu próprio destino?
Bem,  há que se considerar o ser humano como indivíduo apenas após o seu nascimento, já que antes disso é um ser dependente de sua mãe que é lugar onde ele habita como ser biológico. Da mãe depende em todos os sentidos: para se alimentar, para se proteger do mundo e para crescer com saúde até o seu nascimento.
Após ser desligado daquele corpo que lhe permitia viver sem ter de se esforçar de maneira alguma, estando vivendo no mundo independente fisicamente de outro ser, pode-se dizer que este pequeno é um indivíduo. Pode-se afirmar que ele alcança a individualidade e a independência de condições vitais.
Nesta fase o ser recebe então todos os estímulos do meio externo: sons, cores, temperatura, e todas as adversidades do mundo real. Assim passa a ser um indivíduo em contato com o mundo, porém não tem ainda condições de sobreviver sem a ajuda de um cuidador, seja mãe ou outro substituto qualquer.
Com o passar do tempo este indivíduo vai se apropriando do universo a sua volta e aprendendo a manipulá-lo, adaptar-se ou transformar o que está ao seu alcance. Neste sentido Halliday (1978) fez um estudo interessante sobre as funções da linguagem. Analisando crianças bem pequenas detectou que a linguagem no mundo infantil é utilizada primeiramente para satisfazer suas necessidades mais básicas, como comer e abrigar-se (função instrumental). Mais tarde a criança começa a compreender que a linguagem pode ser usada também para controlar as pessoas e situações (função regulatória) e enfim para se comunicar em todas as situações da vida (função interacional).
Pode-se perceber então que na medida em que o indivíduo passa a dominar os diversos  tipos de linguagem ele passa a ser  “dono’ de si e assim pode ser considerado sujeito de seus desejos  e de suas ações. Estamos considerando aqui o sujeito sob o aspecto da linguagem, mas devemos considerar que o ser humano que tem a linguagem como algo inerente a sua natureza, é um ser que se apresenta em diversas dimensões: filosófica, espiritual, psicológica, histórica, social, política, emocional.
Seria impossível tratar do ser humano como um ser isolado, como também é impossível abranger em tão pouco espaço todas as suas dimensões.
Assim, trataremos aqui apenas do aspecto da linguagem, o que já é uma tarefa árdua e inconclusiva.
Muitos teóricos se dedicaram ao estudo da aquisição da linguagem e muitos outros ao desenvolvimento e interpretação desta. Vale a pena ressaltar alguns desses estudos para compreender como a linguagem é vista sob pontos de vista diversos.
Skinner (1975), psicólogo comportamentalista tentou utilizar os princípios behavioristas ao estudo da linguagem. Estes princípios: estímulo-resposta, reforço e condicionamento operante, eram aplicados aos animais e se baseavam nas teorias desenvolvidas por Pavlov e Darwin sobre a continuidade evolutiva. Esta teoria foi severamente criticada por Chomsky (1988), que afirmava que as experiências de Skinner não passavam de ‘um faz de conta de fazer ciência’. Isto porque estes princípios não poderiam ser aplicados a comportamentos verbais, que, por sua própria natureza, não podem ser controlados como outros tipos de comportamentos.
Chomsky, (1988) considera que o ser humano como ser biológico dotado de potencialidade física e mental inata para a linguagem. Neste sentido, ele desenvolveu os conceitos de competência e desempenho que respectivamente se relacionam a capacidade e a habilidade para a linguagem.
Mas o ser humano não é apenas biológico e constrói sua trajetória de forma sócio-histórica e assim desenvolve a linguagem em suas relações interpessoais em contato com o mundo e com o outro.
Piaget (1975) foi um dos estudiosos que considerou a influência do meio na constituição do conhecimento infantil e fez uma relação entre conhecimento e linguagem. Assim com ele, Vygotsky (2003) também enveredou seus estudos por este caminho. Por isso Piaget (1975) e Vygotsky (2003) são representantes legítimos da teoria cognitivista.
Estes dois últimos teóricos, embora não sejam teóricos da linguagem, muito contribuíram para os estudos da aquisição da linguagem.
Piaget (1975) considerou que a criança aprende de acordo com algumas fases ou estágios, que ele definiu da seguinte maneira: sensório motora; operações concretas; operações formais. Segundo este teórico, a criança na fase pré-operatória está no estágio da representação, momento em aparece a capacidade de representar uma coisa (objeto, desenho, som, sinal) por outra (palavra, desenho, som, sinal). Para Piaget (1975), a linguagem é um sistema de sinais sociais em oposição aos símbolos individuais.
Para Piaget (1975), estas fases estão relacionadas a uma certa maturação física e acontecem uma a uma de acordo com a idade cronológica em que a criança se encontra.
Já Vygotsky (2003), considera também algumas fases pelas quais a criança passa, porém estas fases são independentes de idade e podem se apresentar sem nenhuma hierarquia ou superação de alguma delas. Sendo que são elas: fase da imagem sincrética, fase do pensamento por complexos, fase dos pseudoconceitos e fase da abstração. Estas fases estão relacionadas, segundo Vygostsky (2003) a formação de conceitos pela mente da criança.
Segundo Vygotsky (2003) o que determina a sequência destas fases ou a suplantação de uma sobre a outra, não é a idade cronológica da criança e sim a sua relação com o meio e os estímulos que recebe dele. Portanto crianças que vivem em um ambiente rico de estímulos tem mais possibilidades de dominar a fase abstrata com mais rapidez e propriedade.
 Para Vygotsky (2003) estudar a criança é considerar “o centro do desenvolvimento cultural devido ao surgimento do uso de instrumentos da fala humana”. Para ele a “linguagem é usada como instrumental para o pensamento”.
 Já para Halliday (1978) conforme mencionado acima, a linguagem se presta a vida da criança , a princípio as suas necessidades e desejos mais básicos, inclusive ao de interação como prevê Vygostsky (2003). Isso faz com que a criança se expresse com enunciados simples que desempenham apenas uma função de cada vez.
Para Halliday (1978) aprender a língua materna é aprender os usos da língua e seus significados, ou ainda que aprender a língua é aprender a significar.
Assim, partindo deste conjunto de concepções sobre aquisição da linguagem podemos afirmar que o indivíduo se torna sujeito de si e de sua linguagem a partir do momento em consegue significar e conferir conceitos mentais dos mais concretos aos mais abstratos.
  Mas ainda é preciso que se tenha claro de que não cabe aqui nenhum conceito definido ou acabado sobre sujeito e sua relação com a linguagem, mas uma possibilidade de compreender como se dá esta relação subjetiva e complexa entre esses dois elementos. Abaixo para ilustrar esta incompletude e a busca por esta compreensão, capturo algumas afirmações de lingüistas brasileiros sobre a questão do sujeito e da linguagem:


Acredito que se aceitarmos a premissa de que somos fundamentalmente seres de linguagem, é difícil separar linguagem de sujeitos. A linguagem ou as práticas de linguagem nos precedem, e em certo sentido, elas nos sujeitam. Por outro lado, é nelas que nos constituímos.
                                                                                                      (Alberto Faraco)


Não seria possível a existência da linguagem, não fosse a existência de sujeitos.                                (Bernadete Abaurre)


Você não pode conceber a língua sem um sujeito, entendendo como o sujeito falante e seu interlocutor.
( Ataliba Castilho)

A linguagem não tem sujeito, mas os discursos têm. A língua em funcionamento, sempre que estiver em funcionamento,é mobilizada por um sujeito.
(Sírio Possenti)

Eu diria que o sujeito é historicamente aquele que se constitui no corpo biológico que somos, nos processos de relação desse corpo com outros corpos, processos que produzem a emergência, a construção de uma consciência. 
( Wanderley Geraldi)


O sujeito da linguagem é uma formação social em todas as suas contradições.
(José Luiz Fiorin)

Habitamos a linguagem e ela em nós.
(Francisco Gomes de Matos)

 
Sujeito é uma construção e uma construção muito complexa dentro de uma cultura; culturas diferentes constroem sujeitos de forma diferente e há processos históricos, processos sociais diferenciados. Eu diria que a língua não tem sujeito. O sujeito é uma construção pela língua, na língua, mas nunca fora dos indivíduos que estão interagindo com a língua.
(Luiz Antônio Marcuschi)






REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


CHOMSKY, N. A. A review of B. F. Skinner’s Behavior. In: SMOLINSKI, F. ( Ed.) Landamarks of American Language and Linguistics. Washinton. D.C.: Bureau of Educational, 1988. P. 117-135.

HALLIDAY, M. A. K. As bases funcionais da linguagem. In: DASCAL, M. (org). Fundamentos Metodológicos da Linguagem. São Paulo: Global, 1978. P 125-161.

PIAGET, J. A.  A epistemologia Genética – Sabedoria e Ilusões d Filosofia- Problemas de Psicologia Genética. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultura, 1975.

VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. Rad. de Jeferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2003.



[1] Pedagoga – UCG, Especialista em Língua Portuguesa e Administração Educacional - UNIVERSO – Mestre em Estudos Linguísticos –UFG, Professora da rede pública estadual e municipal, membro da Academia Trindadense de Letras Ciências e Artes. 


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